sábado, março 26, 2016

180º depois

(o maior testamento que alguma vez publiquei aqui. Ou bem que escrevo ou bem que não escrevo. E só lê quem quer, ora!)

Foi há precisamente um ano. Um ano com um dia a mais. Passaram, portanto, 366 dias. A minha vida mudou radicalmente. A qualidade então nem se fala. Há um ano eu tomava, diariamente, medicação para a diabetes e para a hipertensão. Era gorda, muito gorda. Hoje não tenho problemas em dizê-lo: pesava 104 kgs. Tempos houve em que pesei 112 kgs. Tinha vergonha de dizer estes números em voz alta. Quanto mais escrevê-los. Os gordos têm vergonha de dizer o seu peso. Eu tinha, sempre o assumi, e não dizia a ninguém. Dizia em casa. Aos meus pais. E chegava. Mais ninguém precisava de ter conhecimento desse número que me envergonhava, do qual me envergonhava e que eu não conseguia combater apenas com alteração dos hábitos alimentares e com a inclusão de desporto na minha vida. Ah sabia também a minha Dra Patrícia que comigo travava a minha luta contra a obesidade. A obesidade que teimava em perserguir-me e em não largar-me, por mais que eu me esforçasse. A vida de um gordo que quer perder peso, e não consegue, é complicada. Muito complicada. Posso falar deste assunto com verdadeiro conhecimento de causa. Porque é uma causa que conheço muito bem. Não foi uma luta da vida inteira. Mas foi uma luta árdua e complicada dos últimos vinte anos da minha vida. Tenho 45 logo é só fazer as contas, como dizia o outro.

Verdade seja dita que comer é algo de que gosto muito. Tenho a sorte de viver numa família onde a Arte de bem cozinhar impera. E herdei esse dom, o que não ajuda nada nestes processos. Contudo, as minhas semanas eram passadas acompanhada de comida saudável com direito a um disparate por semana. Unzinho apenas, nem mais nem menos. Nem eram os doces, mas os salgados; aiiii, os salgados é que davam cabo de mim. E neste estômagozinho cabia sempre mais um bocadinho. A minha amiga SLR apelidava-me de “Paquita”, porque eu comia a minha dose e ainda ia rapar as travessas dos outros. Impressionante, é verdade! Agora brincamos e dizemos que “A Paquita morreu”. Sim, ainda gosto de comer, no entanto nadfa das quantidades dos antigamentes. Sim, a minha vida mudou, já o disse lá em cima.

Quando surgiram as primeiras cirurgias bariátricas em Portugal eu quis logo ser submetida a uma. E encontrei mais um um inimigo: as famosas e horrorosas listas de espera. Passei por vários hospitais públicos na esperança de que alguma equipa percebesse a gravidade do meu caso. Não bastava ser obesa, mórbida, nos últimos 13/14 anos surgiram também a hipertensão e a diabetes. Tudo associado o excesso de peso. Portanto, como eu costumava dizer, eu era “uma bomba com pernas” que a qualquer momento podia ter a bela da entrevadinha e puf ou, com sorte, não puf mas viver com mais reservas do que aquelas que já tinha. Daí que diariamente tomasse um comprimido para cada uma das doenças silenciosas que me atacavam. E nem assim conseguia contornar as listas de espera.

E de lista de espera em lista de espera e de hospital em hospital andei até me decidir ficar apenas pela consulta de nutrição, pela atividade desportiva possível e aguardar os resultados. Mas num corpo cujo metabolismo tudo retem, até o ar que se respira, a luta era inglória e muito, muito complicada. Continuei a ter esperança na operação e a viver a minha vida feliz e contente. Felizmente, nunca me senti excluída da sociedade e nunca fui rejeitada por ninguém por causa do meu peso. Felizmente, os meus amios sempre o foram e nunca me descriminiram pelo meu peso. Felizmente nunca tive problemas em ir à praia e em divertir-me. Felizmente, tive uma família e uns amigos que sempre me trataram bem. Sei de casos e de pessoas que se auto-excluíram da sociedade precisamente porque não só não suportavam verem-se como eram, como ainda eram mal tratados pelos outros e descriminados. Todos sabermos que a raça humanda é cruel e má. Tive sorte ou soube rodear-me das pessoas certas, não sei. Mas sempre fui feliz e isso é bom, muito bom.

Em novembro/dezembro de 2014 tudo se alterou. Entregue a uma nova equipa médica, num hospital privado, fui com uma carta do meu endocrinologista à consulta de cirurgia geral, marcada anteriomente pelo meu médico de família, e saí de lá com uma data. Qualquer coisa de Fevereiro de 2015 seria a data em que tudo mudaria. Exames, muitos, para a preparação foi o que se seguiu. E de repente, em meados de janeiro de 2015 um telefonema: “Dona Blue, fala a assistente do Dr. Y, a sua cirurgia terá de ser adiada porque o Dr sofreu um acidente e vai ter de ser operado. Continue as preparações todas, mas agora só a 26 de março poderá ser operada”. Ia morrendo. A sério! Tanto anos à e em espera e um precalço quando tudo ia tão bem encaminhado. Depois do choque inicial, o otimismo voltou. Mais tempo para me despedir das comezainas e das festarolas que o pós-operatório seria um mundo novo (mas essa descrição fica para outro dia).

Portanto, há um ano – 26 de março 2015 - pelas nove da manhã estava numa cama de hospital prontinha e no aguardo para me levarem para o cenário onde tudo aconteceria: a sala de operações. Foi lá que o meu estômago ganhou um novo tamanho: mais pequeno e que a minha vida começou a girar até aos 180º C a que hoje chegámos. O bypass gástrico foi a melhor coisinha que me poderia ter acontecido nos últimos tempos. O pós-operatório foi algo complicado, porque havia muitas dores que suportei com a ajuda do meu grande amigo Paracetamol. Nunca cedi ao comprimido de SOS para as dores e não foi por bravura, foi sim porque, de facto, não precisei. Muitas dores, mas suportáveis. O mais dífícil foi não comer sólidos durante duas semanas. Só líquidos, numa primeira fase, e depois só papas. Como os bebés comecei tudo de novo. Mas duas semanas após a cirurgia disse adeus ao comprimido para a hipertensão e daqui a duas semanas fará um ano que essa despedida foi feita para sempre, sem direito a regressos. Este ano em janeiro disse bye bye ao comprimido para a diabetes cujas doses diárias foram diminuindo ao longo do último ano até ficarem nos mínimos para se transformarem em adeus, ó vai-te embora e nunca mais voltes.


(fonte da imagem: net)

E o peso perguntam vocês, pessoas de bem e interessadas neste testamento? O peso foi descendo gradualmente que uma pessoa com um estômago pequeno não consegue lá enfiar muita comida. Além disso reeduquei-me alimentarmente falando e faço várias refeições por dia, o que ajuda e muito neste processo. Voltei à minha natação e até já gosto de fazer algumas caminhadas, sem exageros que não sou uma sports person. Ahhhh o peso: já lá vão praticamente 25 kgs com os quais nunca mais me quero encontrar. Sinto-me saudável e continuo muito feliz. Foi fundamental ter uns pais maravilha que me apoiaram desde o primeiro minuto e que têm sido sempre, na vida em geral e sobretudo neste processo, um suporte imprescindível para que tudo tenha chegado a este bom porto e assim continue.

As minhas amizades, aquelas que verdadeiramente interessam e me interessam, também foram cinco estrelas e as palavras certas aliadas à atitudes mais corretas têm sido incontáveis.

Uma nota final para a maravilhosa equipa médica que me tem seguido e acompanhado em todo este processo: o dr. João, o dr. Francisco, o dr. Carlos e a dra. Mónica sem cujos os incentivos e conhecimentos médicos eu não teria chegado aqui.

Outro dia alguém me perguntava: “és o caso de sucesso dos teus médicos?” e eu, orgulhosamente, respondi: “sou um dos e isso é tão, mas tão bom que não há palavras que para exprimir o tamanho da minha felicidade”.

Há um ano a minha Páscoa foi em repouso e a líquidos e este ano vou voltar ao belo do cabrito temperado e confecionado pelas fabulosas da melhor mãe do mundo: a Minha. A Páscoa também foi um resuscitar para mim. Para uma vida mais saudável, muito mais sustentável e muito mais feliz.


Saudações virtuais com votos de uma Santa Páscoa

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